quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Crônicas Urbanas part. I



Ela entrou no trólebus
. Mezzo espalhafatosa mezzo menininha, logo tratou de arrumar um lugar no fundo do veículo. Desfilou, observou, esplendorosa, qual assento escolher. Pouco se importou com a multidão de sodomizadores que acompanhavam seus passos lentos. Mas dentre tantos olhares sujos, rasos e cheios de libido, o meu, penetrante e aliciador, se destacava em meio à apetidão sexual generalizada daqueles 10, 20 segundos. Foi o tempo que ela levou para cruzar o corredor e se acomodar em um banco próximo a mim.
- Linda! Maravilhosa! Pena que nunca mais a verei - pensei, num momento raro de consciência.
Com o cabelo preso e um shortinho curto, levando a crer que fizera exercícios físicos na escola pela manhã, era impossível não notar aquela escultura. Não desejá-la. Não amá-la de um jeito platônico, envergonhante e, ao mesmo tempo, excitante. Uma aventura que animava meus longos 60, 70 minutos naquela rotineira viagem.
- Pena que nunca mais a verei - observei novamente, porque nunca era demais lembrar desse detalhe.
Tantas pessoas vão e vem. Vem e desaparecem. Tantas são iguais, semelhantes, cópias uma da outra. Mas não aquela ali. Não ela.

Tateou na bolsa algum objeto. Acompanhei sua busca breve. Era uma caixinha, aparentemente contendo comida. China In Box. Isso! Como uma donzela fina, sacou, com graça, dois hashis e devorou sua comida oriental. Em tempo, a palavra "devorar" não se adequa nem um pouco à leveza admirável daquela linda moça. Ela, pois, digeriu seu almoço no ônibus em longos minutos, sem se importar com o cheiro delicioso que impestava o ar, os famintos que a miravam sem complacência e o pouco conforto da viagem cheia de paradas e trancos bruscos.
Quando terminou de comer, juntou tudo na caixa e guardou na bolsa, encontrou um vão na janela por onde procurou se entreter por alguns minutos.

- Muito boa tarde a todos! Meu nome é Édson, estou vendendo essas balas de goma para sustentar minha família e... - bradava o vendedor ambulante, em vozes silabicamente divididas, interrompendo, por um instante, a observação quase paranóica que eu nutria pela garota.

Quando já ia me deixando ser derrotado pelo cansaço e fim de viagem, ela, a luz daquele ônibus já tomado pela tempestade que viria a seguir, me surpreende mais uma vez. Como nenhuma outra menina seria capaz de fazer no meio de um trólebus lotado, ela procura por lenços umedecidos e limpa o rosto como se eu assistisse, in loco, a um comercial de cosméticos na TV.

- Feminina. Isso sim é uma mulher, que feminilidade, que movimentos leves, paixão. A paixão ao primeiro lenço!
- Pena que nunca mais a verá!

Num diálogo que mais pareceu um conflito clássico entre o meu anjo, no lado direito do ombro, e meu demônio, do lado esquerdo, como se vê em filmes e quadrinhos, deixei o ônibus obstinado à segui-la um pouco.
- Não vou perdê-la de vista - pensei. Estava determinado a ver no que ia dar. Não custava nada saber até onde nossos passos seriam os mesmos. Quem sabe ela... bom, nevermind.
Subimos e descemos a mesma escada rolante no Terminal São Mateus. Discreto, não levantei suspeitas. Estava fazendo o meu caminho. E ela ia na frente, quase adivinhando por onde eu iria. Mirava aquela garota como poucas vezes havia mirado alguém, sem o menor apelo sexual. Se seu shortinho curto atiçava a imaginação de uns, a mim nada mais pesava - e apaixonava - do que sua cena comendo, sutil e delicadamente, a comida com os hashis ou limpando o rosto com os lencinhos, na mais perfeita graça feminina. O zelo e o carinho pela pele, aquela exalação de feminilidade, tudo o mais faziam com que sua chamativa bunda viesse em terceiro, quarto plano. Isso eu deixava à cargo da imaginação dos outros. Pobres de espírito. E de amor.
E assim entramos no mesmo ônibus; Term. Pq. D. Pedro I. E descemos no mesmo ponto, pouco depois do primeiro posto da Mateo Bei. Tomei meu rumo em direção ao trabalho. Fui para a esquerda. Ela, para direita. Olhei duas vezes para trás. Mas a multidão na avenida e o prenúncio de um temporal fizeram perdê-la de vista.
- Volte sempre!
Sinal de alguma coisa? Não. Ah, sou extrememente cético em relação à essas coisas de destino. Tudo bobagem. Papo furado. "Qual era o nome dela?" É o que eu mais precisava saber. Agora, só espero vê-la de novo. Em qualquer lugar. Qualquer circunstância. Só vê-la. Já estaria de bom grado. Suficiente pra saciar meu Part Two. O tempo que perco me lançando de uma cidade à outra foi muito bem preenchido por esse furacão fora de época.
- Pena que nunca mais...
- Será mesmo?



ouvindo João Nogueira - Espelho

4 comentários:

Mayara Potenza disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mayara Potenza disse...

"Veja bem, meu bem"-(LH)-, não tenho o costume de comentar em blogs. Entro, leio um ou dois textos (dependendo da qualidade, me delicio com todos, até os "do baú"), penso um pouco e saio. Como se nada tivesse acontecido. Mas o seu, meu amor, me deu vontade de falar. Eu viajei em suas palavras e esqueci o que estava fazendo; deixei uma música repetir por inúmeras vezes sem perceber; me inseri na sua história. É gostoso quando conseguem me entreter de tal forma. Não vou falar "meus parabéns", isso é meio tosco, haha. Mas você sabe que escreve bem demais, só vim deixar registrado. E como eu adoro críticas, espero que a minha seja construtiva e vai lá: sua sabedoria, imaginação e seu dom permitem que você escreva de forma gostosa. E só. Seja a favor da simplicidade. Limpeza, clareza e naturaldiade atraem. Uma beijoca e, pra quem nunca comenta, eu falei pra caralho, né?! haha

caue'gomes disse...

É , você precisa de um game boy. Com isso você vai parar de pensar em meninas. É sério! (:

Anônimo disse...

E isso porque é só o lado poético da história... huahuahua

Brincadeirinha, Fê! Adorei. Já frequento seu blog quietinha há algum tempo!!

Bjokas!!